Os túneis são uma tipologia de obra com características únicas, distinguindo-se pela complexidade das geometrias tridimensionais e pela interação direta com o meio geológico. Estas especificidades, aliadas aos elevados custos de construção, à longa vida útil e às exigências rigorosas de operação e manutenção, tornam indispensável a existência de modelos “As Built” em formato aberto.
Em cada simpósio internacional da buildingSMART tem havido sessões dedicadas aos túneis. No último simpósio, em Outubro de 2024 em Marraquexe, participámos na sessão “Infrastructure Domain Session 1: IFC Tunnel Project – final deliverables” onde, para além de se apresentar os resultados do trabalho desenvolvido nos últimos anos, se discutiu também a forma como o grupo de trabalho opera e se coordena com outros domínios. O vídeo da sessão está disponível neste link. Foi uma discussão entre os peritos em túneis (não só de projeto como também de construção e operação, nas vertentes de geologia, geotecnia, sistemas, segurança) e os peritos em BIM.
O desenvolvimento de um novo tipo de obra do IFC, ou seja, a extensão do formato a um novo tipo de obra, tem sempre os passos seguintes:
1 – Definição do Âmbito e dos Requisitos
Esta tarefa é feita por especialistas em túneis, que definem as necessidades específicas deste tipo de obras e a sua taxonomia. Nesta primeira fase não é considerada a representação digital e os especialistas em BIM ou em desenvolvimento informático não são envolvidos. A tarefa foi divida em três âmbitos:
Âmbito 1 – Geotecnia
O tema da geotecnia, que é transversal a outras obras, como as estradas e a ferrovia, não era adequadamente abordado no IFC e está longe de ser uma tarefa simples. Salienta-se que a gestão da incerteza tem nas obras subterrâneas um papel central. Para suprir essa lacuna, foram preparados três documentos principais:
- Livro A: Dados Factuais (ensaios e observações)
- Livro B: Dados Interpretados (modelo geotécnico)
- Livro C: Dados de Projeto
Âmbito 2 – Espaços (laterais e longitudinais)
Abrange os espaços associados aos processos de escavação, suporte e revestimento. O principal desafio é representar diferentes métodos de construção (como TBM, Cut-and-Cover, Drill-and-Blast, NATM, etc.), que podem coexistir num projeto. Inclui os espaços necessários para sistemas e equipamentos, considerando diferentes tipos de túneis, como ferroviários, rodoviários ou hidráulicos.
Âmbito 3 – Sistemas para Operação
Cobre os sistemas essenciais para a operação do túnel, como iluminação, recursos de emergência, segurança contra incêndios e ventilação. Consideram-se tanto túneis novos, construídos e operados de acordo com as normas vigentes, quanto túneis em funcionamento que são reabilitados.
2 – Do modelo conceptual à especificação IFC
No segundo passo os processos são mapeados por profissionais de IFC, culminando no desenvolvimento das extensões do IFC, como as novas entidades e atributos necessários para representar a escavação, o revestimento provisório e definitivo, elementos de suporte e reforço do terreno, interface com o terreno e elementos específicos como sistemas de drenagem. Naturalmente, alguns sistemas já existem noutros domínios: a ventilação e a iluminação estão presentes no domínio Building, enquanto partes do sistema de sinalização estão em desenvolvimento nos domínios Railway e Road, pelo que o diálogo com as restantes equipas é constante.
3 – Validação colaborativa
A fase final incluiu a validação em projetos-piloto, que foram sendo apresentados em eventos recentes da buildingSMART. O trabalho com as empresas de software acontece desde cedo, para que os software que trabalham com IFC possam, se assim o desejarem, incorporar o IFC Tunnel e serem certificados para tal pela buildingSMART.
O processo, que durou quatro anos, foi extremamente transparente. As reuniões foram abertas e muitas são gravadas, todos os entregáveis intermédios estão disponíveis online e há formas de recolha de contributos. Acompanhar este processo é uma oportunidade de aprendizagem para técnicos e investigadores.

Próximos passos e Demo
Com o processo de desenvolvimento terminado, já é possível, com software de empresas como a ACCA, Trimble, Allplan ou Bentley, que têm acompanhado os desenvolvimentos no âmbito da representação do terreno, do suporte ou dos sistemas, construir modelos de túneis e exportá-los em IFC 4.4, que inclui agora as entidades, atributos e propriedades necessários. Espera-se que nos próximos simpósios da buildingSMART sejam apresentados mais casos reais e que os restantes software se preparem para este tipo de obra.
Nesta página da ACCA software (https://biblus.accasoftware.com/en/ifc-example-implementation-of-the-ifc-4-4-standard/) mostra-se o processo completo de construção do modelo e neste link podemos analisar um modelo detalhado.

O Grupo de Trabalho nº 4 – BIM e Gestão da Informação em Obras Subterrâneas, da Comissão Portuguesa de Túneis, continuará a acompanhar este trabalho e a disseminar os desenvolvimentos.